2 – Os visitantes
Aurélio Tognasi, Eurico Almeida e Jordano Guerra. Assim assinaram suas fichas na Pousada do Riacho, após discretos rapapés. No ficheiro, pontilhado que pedia a ocupação, escreveram paleontólogo. O velho Guairacã demorou-se sobre a palavra, mais tempo do que o suportável para quem veio de longe e precisa tirar as botinas. Jica, a camareira, preparara para os forasteiros o quarto mais próximo da cachoeira, que a essa hora era uma beleza de ouvir desaguar, dois metros e meio de queda redonda, a gorgulhar no pedredo, assim ela lhes segredou, cheia de dengo e cheiro de manjericão misturado a baunilha. Como ela também se ocupava da cozinha, logo foi aviar a janta e deixou os três diante da porta de um aposento estoico e limpo.
Havia um beliche e uma cama, uma escrivaninha em frente à janela, prateleiras e ganchos de pendurar na parede oposta, um espelho atrás da porta. Ainda sem ter coragem de entrar, os três tornaram a descer as escadas, para espanto de Guairacã, que tinha as fichas na mão. Queremos nos lavar antes de entrar no quarto, lá fora. Tem como? O pedido foi o melhor quebra gelo que poderia ter acontecido. Guairacã levantou as sobrancelhas e anuiu, acompanhou-os até o quintal, onde havia um puxado a céu aberto, com cortinado plástico, tudo limpo, onde se podia livrar de pó e barro em demasia.
Enquanto Jordano tratou de espanar as sacolas, chapéus, botinas, Eurico pôs em uma bacia as camisas, ensaboou as três e colocou de molho para torcer quando a manhã viesse. A própria calça ele lavaria na bica, o mesmo que fazia Aurélio naquele instante, com o auxílio da escova de lavar as costas pendurada em um prego. Jica chegou-se na porta e estendeu a eles tecidos leves, para que se secassem. Depois de deixarem tudo em ordem, pendurado, de molho, puderam entrar menos cautelosos. Dirigiram-se ao quarto calçados com chinelas, camisa a lhes cobrir, sem macular a harmonia do lugar. Foi preciso concluir a higiene na casa de banho, vestir-se e dar conta de roupas íntimas, que foram estendidas em um fio caprichoso na sacada. Quando finalmente desceram para cear, sentiam-se apresentáveis e renovados. Jica trouxe um caldo rico de vegetais, um bom pedaço de pão fresco. Para a sobremesa, queijo e goiabada cascão. Os moços dispensaram o café. Aceitaram, de bom grado, um gole de licor de pequi e o foram beber junto ao balcão de Guairacã. No trajeto, Aurélio deu com um espécime de ameiva, sob um vaso de corredor. Apaixonou-se pelo réptil e pareceu ser correspondido. Jica contou que o jacarepinima foi ficanu, ficanu e seu Guiaracã si habituô, até nome o bicho tinha, Gilseu. Ela é qui não si dava cum calango, mais num mandava, intão deixava. E se riu de orelha a orelha ao primeiro moço que lhe deu trela. Jordano olhou com sutileza o amigo, a pedir discrição.
A prosa dos cientistas com Guairacã durou até perto das doze badaladas do relógio da sala, o fóssil da opabinia aberto diante de uns olhos vadios.
Estrada longa, pedra de rio
Meu canto é ‘mor de acender pavio
Sigo descendo com meu jeguito
A minha viola é o meu abrigo
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