quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Guairacã 1




                                                                    Fulvio Pennacchi







1 – O palco


Uma casa caiada, branca de janelas azuis e portal ramado, face norte, dois andares com três divisões cada um, mais casa de banho. No térreo, sala, escritório, cozinha. Ainda átrio e mirante. O jardim modesto dava morada a um jequitibá rosa jovem, dez metros de altura, um bosque virgem atrás, apenas uma clareira muito limpa para o poço artesiano. Construída, a casa, no início da rua principal há mais de uma centena de anos, a três passos de um riacho nervoso, que subia muito nas monções, posta ali, feito nova, no princípio do nada, para servir de prefeitura, ou escola, ou casa de rezar, ou hospital, ou padaria, ou alfândega, embaixada, também pousada e casa de cantoria, contação de histórias. 


Um ex bandeirante, de alcunha Guairacã, assim mesmo registrado em certidão, Guairacã da Silva, deu o tom daquele rincão que guardava, em média, três mil habitantes. Chegara ao lugarejo há cinquenta e três anos, quieto, gentil, acolhedor, a roupa do corpo. Os moradores dos começos, uns trinta, confiaram nele e lhe deram a chave do lugar. Os dias fluíam, naturais, progresso lento, coerente.  

 


Na tarde do natal de Santo Antônio, Guairacã achou curioso aqueles forasteiros de fala alcantilada, que se riam de tudo, a apreciar o ocaso que se desenhava por sobre o riacho. Parados, os três, junto à fonte da praça, transmitiam alegria e mansidão. Eram moços, vestidos de maneira simples, limpos, como um andarilho pode estar. Traziam sacos de viagem reduzidos, chapéu de abas largas. Contemplaram a beleza até a primeira estrela surgir e então cantaram juntos

 

Companheiro me ajude
que eu não posso cantar só
Sozinho eu canto bem
com vancê  canto mió

 

Zé da viola foi o primeiro a se chegar. Achou os acordes facilmente e passou a pontear cada improviso que nascia após o refrão, alternado entre os três moços. Logo se juntou um triângulo, uma zabumba e algum oferecido, que punha verso, completava. Guairacã deixou que os pirilampos iniciassem sua dança. Era noite de lua nova, vento ameno. Antes do ajuntamento se animar em demasia, o guarda-chave veio como quem apazigua e ofereceu abrigo. Antônio até que apreciaria mais folguedo, porém era preciso assuntar, sentir a que vieram os viajantes. Regra, com viajante, era sagrada, eles dentro da ética do lugar, se não, era andar.

 

 

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