sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

Contos de malhas e mourarias 2




O amigo elegante



As histórias do homem se espalharam pela capital, o advogado causídico que escrevia poemas obituários. O sucesso editorial que ele fazia, não se podia dizer atrativo para damas casadoiras ou para a comunidade literária. Para os adeus com lenço namorado, havia de se escrever muita coisa ainda. O último livro, Duas caveiras que se amavam, vendeu muito bem na Ler Devagar. A expressão de lince ibérico, que o bigode do advogado e professor de literatura comparada da Escola Dona Filipa de Lencastre desenhava sobre o lábio, prometia alguns suspiros de confeitaria. E foi ali, na Pão Nosso D’Alfama, que o esbarrão aconteceu. Fátima saía, afoita e abraçada a uma cestinha de éclairs. O escritor entrava, airoso, boina na mão. De forma jocosa, o bigode foi-se perder entre os seios da dama, grandes almofadas úmidas, que cheiravam a fermento. Ambos precisaram de alguns minutos, para desatravancar-se e liberar a porta aos fregueses. As raparigas alegres de marré de si, vizinhas de Fátima, entravam no momento em que os dois se recompunham, a ponto de não deixar ver a respiração sôfrega e o coração aos pulos. Desculpas, desculpas, cada par tomou seu rumo. As raparigas pediram chá gelado, Fatima balançou-se até as escadas do sobrado e então parou ao primeiro degrau, a tentar entender o que fora aquele momento, o cartão do escritor espremido entre as folhas do primeiro livro dele, O amigo elegante.