O cuco
O cuco atravessou o Saara por dez vezes. A fêmea, a ira a lhe ferir, entregou a cria à sombra. O cuco atravessou o Saara por nove vezes. O macho, morto em combate, esperava pela dama, empoleirado sobre o gradil da ponte. Iam os dois, no momento certo, catar o filho que desgarrou. Enfrentariam correntes, tronco, por duas migrações. O cuco atravessou o Saara por seis vezes. Afundado em lamaçal, o diabrete tomou para si dores que não lhe faziam jus. O cuco atravessou o Saara por cinco vezes. Um dia, os pais o acharam, era a vez de número quatro, o cuco atravessou o Saara. Cansado de guerras, revides, o pássaro aluou. O cuco atravessou o Saara por três vezes. Sem esmorecer, macho e fêmea se revezaram em voo vertiginoso. O cuco atravessou o Saara por duas vezes. A fêmea, acolhida por um sino de bronze, passou a rezar Filhas de Maria. O cuco atravessou o Saara. Enfim, reconduzido ao espaço entre duas palavras escritas, o macho a dez mil metros de altura, ao sabor da corrente, o cuco apontou seu lápis e cantou cuco, cuco, cuco, cuco, cuco, cuco, cuco, cuco, cuco, cuco. A conclusão, a primeira série de fábulas, o cuco, mais dez travessias, agora viria ao Gobi, ou à Pousada do Riacho, é o mesmo.
Ajoelhada à beira do aguaril, Juanita deu com o filho sangrado. No olho da mata, a imagem que se apagava, o homem que a encontrara sobre as folhas, tão gentil. O homem que pegou a suaçuboia com a mão e a devolveu ao galho, para depois tocar-lhe o seio pequenino, ela toda como veio ao mundo, a suspirar. O homem que lhe plantou um passarinho, sangrado antes de revelar a cor. Sabemos que foi aborto que a natureza faz. Cumpriu a sina o bicho, teve suas asas de volta, virou sauá. Nem dele, nem do homem, Juanita guardava saudade. Queria ter onde ficar.
Andava por ali, claudicante, o velho Guairacã. Ao ver a moça de joelhos, uma força nutritiva o chamou para perto dela, tão mimosa. Ficou em pé cinco passos atrás, como guarda costas de príncipe regente. Um imenso olho piscava, sereno como as palhas da manjedoura. O Natal e suas cestas de deserto. O olho aguardava, pacífico, a força que chega, para reavivar a lamparina. Ventos amenos traziam também água, a princesa dos mananciais. Tudo é o que é, pensou o velho da pousada. A Senhora das Matas piscou o outro olho. Não se pode jogar cordas no tempo, isso era bem sabido.
Vancê ‘n’um é aquel’ amor
Que meu coração tem esp’rado
Se fora, amado sonhador
Já t’rias m’avisado
Vancê ‘n’um é aquel’ amor
Que meus escritos tem guardado
Se fora, triste trovador
Já t’rias germinado
Nenhum comentário:
Postar um comentário