Muitas vezes ainda escuto falta de sentido no fazer quase tudo [é uma
sensação pessoal, não vou estendê-la a vocês], mas a vida anda assim, carente
de sentido. E nós, cantantes do grupo vocal, sabemos que as ferramentas de que
dispomos para fazer música são, ainda, incipientes. Faltam-nos dados técnicos
sobre combinar reagentes, sobre elementos químicos explosivos, condutores de eletricidade,
corrosivos, sobre ondas magnéticas, imposição dos tons, padrões, medidas, elemento
surpresa, potência vibracional. Nossa inteligência emocional contrapõe-se a
lógica, cria atrito, estática na comunicação terrestre.
No SESC [isso era 24 out 16] você escolhe [ao menos eu escolho]: fechar
os olhos e sair atrás do coelho da Alice, que cobra o tempo passando; fechar os
olhos e ir focalizando umas três ou quatro daquelas fotos incríveis que o
Projeto ALMA vem tirando do espaço, a fronteira final – e cantar a partir do
imaginado; fechar os olhos e só olhar aquele cinza que resulta da pálpebra
fechada, que vai mudando aos poucos de tom, brilho e cor – e entrar em estado
meditativo, contemplativo. Abrir os olhos e olhar o mar formado pelas cabeças
da audiência, cristas em ressonância. Abrir os olhos e conectar com o ambiente,
com cada um de nós, presentes, no presente.
É ‘samba que eles querem’, ‘alegria que eles querem’, divertimento, distração,
passar o tempo, se encantar [com o diferente, com quem canta cantando], com algum som bonito que uma de nossas vozes
possa produzir, com algum som bonito que as nossas vozes construam
simultaneamente. O que eles querem eu não sei. O SESC oferece o espaço, os
microfones, audiência que gosta de cantar junto, parece. Aproveitamo-nos do
presente [e isso é 23 out 17, um salto quântico].
O que eu quero, nessa história, não importa. Minha
busca é cantar bem – e cantar bem é fazer contato [fiquei cismada com isso,
vocês ali, fazendo contatos virtuais e nós ali, carne e osso e alma e contato
esparso... por isso o ‘Olaria fulminou’...].
Eu reúno cantantes para fazer
contato, aprendi isso tem pouco tempo.
Confesso, ando usando esse método
aleatório para o nosso trabalho, SegundaSabado, estrangeiro, intuído das
escutas de Meredith Monk, mas com grandes gomos de Milton Nascimento. Nada brasileiro no modo de pensar o fazer musical, tudo
das origens do mundo sonoro da Terra, dos cantos xamânicos. Parece que fiz
pacto com a Anarquia, com o fim da Harmonia Tradicional, da Harmonia Funcional,
Tonal, Modal, Atonal, os cambau... Que eu não dou valor ao que os irmãos da Música
fizeram; que tenho preguiça de estudar música, musicoterapia, e então submeto
você a esta salada mista de expressões sonoras [de sentido questionável]. Não é
nada disso.
Para você, SegundaSabado, que ama o Brasil e
quer o solo-chão-terra como música, deve ser muito esquisito cantar como
cantamos. Se você olhar a história, foi ‘estrangeiro’ quem trouxe o tipo de
fazer musical que usamos. Lógico não, recorrer à música ancestral para
interpretar, para improvisar, para criar. Eu acredito, muito, que meu espírito
não é legitimamente brasileiro; estou passando uma temporada aqui. Às vezes
penso que não sou mesmo da Terra, porque não me acerto com gente. Adoro a
natureza, os bichos (insetos menos...), gente deveria estar incluída na devoção.
Está sendo bem difícil fazer contato
humano e conviver socialmente. Você, SegundaSabado, é uma ponte, um porto, um
portal para contato.
Com a Música, esse processo lento, penoso às
vezes, eu junto vozes em fase de carvão para ver florir o diamante. Eu tenho
uma cisma com isso, acredito que dá pra trabalhar assim, é como estudar a
supersimetria, o universo fluídico congelado, sem cálculos, planilhas. Sinto-me
íntegra quando estou com você, SegundaSabado, sinto que é possível fazer
experiências, um tanto empíricas, elas estão sendo registradas, há amostras
portanto, dá para mensurar, classificar, rebater, refazer, recalcular, chegar a
alguma confluência e refutar tudo se for o caso. Dá até para por no ciberespaço
do jeito que está. E pagar para ver. E ver esfriar ou crescer, como tanta coisa
que a gente encontra no Youtube.
SegundaSabado foi o período mais longo e estável que vivi, 2008-2018. Fomos
chegando à parceria ideal? Penso que quase conseguimos ser totalmente sinceros,
responsáveis e respeitosos uns com os outros na fase atual. Apesar dos
estranhamentos - somos humanos-cobaias, visitamos ‘algum mar’. Sinto-me
provocada a seguir vivendo, ao rascunhar os desenhos vocais com vocês cinco,
que de seis já não passamos; lembram-me, tais desenhos vocais, os muitos
desenhos de Van Gogh antes dele usar as tintas. Os esboços estão sobrepostos.
Quanto a usar as tintas, demandamos vontades similares de completar um ciclo de
dez anos; falta um, portanto.
Nesse 23 out 17, estávamos nós, de kajal na mão, para o novo desenho. Alguém
pode conseguir ao menos uma foto de nossa participação, investigando o site do
SESC?
Chico Buarque escutaria nosso som e certamente sorriria, recordando o
tempo em que ele era tímido e só subia ao palco com o MPB4. Cruzei, eu, a
fronteira do ‘me divertir’, ontem eu ‘aceitei’... fiquei com a sensação de que
lidei com a ignorância e precisei me impor para estar em cena... sensação
incômoda... Sempre sonho com satisfação coletiva, agradeço a parceria. Que seja
‘infinita enquanto dure’.
A frase ‘Você vai me trair’ veio? Será que eu, inconscientemente, não
quis ouvir?
Camila Moro
Mimi (Maria Lucia Farias)
Liane Guariente
Gilson Hack
André Altafini
Igor Ribeiro
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