terça-feira, 24 de outubro de 2017

SegundaSabado


Penso no evento de logo mais [assim iniciei o texto escrito em 24 out 16, segunda-feira na ocasião, dia de SESC], no que significa, para mim, fazer música vocal. Meu ouvido musical fica contente com os resultados que apresentamos, SegundaSabado, na medida em que os acordes vão-se formando, lógicos, algum swing vai surgindo, alguma densidade, algum espaço bem ralo entre improvisar, interpretar e compor, manifestação vocal espontânea, quase acaso se não fosse perceptível, qualificável [Em 2017 já ouvimos novidades nesse discurso, já é possível sustentar melhor a argumentação: as experiências harmônicas com as nossas vozes avançou. E somos ainda sazonais, o ‘barco quase afunda’, a motivação é insípida em setembro, e então oferecemos algo para apresentar ao público em outubro...].
          Muitas vezes ainda escuto falta de sentido no fazer quase tudo [é uma sensação pessoal, não vou estendê-la a vocês], mas a vida anda assim, carente de sentido. E nós, cantantes do grupo vocal, sabemos que as ferramentas de que dispomos para fazer música são, ainda, incipientes. Faltam-nos dados técnicos sobre combinar reagentes, sobre elementos químicos explosivos, condutores de eletricidade, corrosivos, sobre ondas magnéticas, imposição dos tons, padrões, medidas, elemento surpresa, potência vibracional. Nossa inteligência emocional contrapõe-se a lógica, cria atrito, estática na comunicação terrestre.
          No SESC [isso era 24 out 16] você escolhe [ao menos eu escolho]: fechar os olhos e sair atrás do coelho da Alice, que cobra o tempo passando; fechar os olhos e ir focalizando umas três ou quatro daquelas fotos incríveis que o Projeto ALMA vem tirando do espaço, a fronteira final – e cantar a partir do imaginado; fechar os olhos e só olhar aquele cinza que resulta da pálpebra fechada, que vai mudando aos poucos de tom, brilho e cor – e entrar em estado meditativo, contemplativo. Abrir os olhos e olhar o mar formado pelas cabeças da audiência, cristas em ressonância. Abrir os olhos e conectar com o ambiente, com cada um de nós, presentes, no presente.
          É ‘samba que eles querem’, ‘alegria que eles querem’, divertimento, distração, passar o tempo, se encantar [com o diferente, com quem canta cantando], com algum som bonito que uma de nossas vozes possa produzir, com algum som bonito que as nossas vozes construam simultaneamente. O que eles querem eu não sei. O SESC oferece o espaço, os microfones, audiência que gosta de cantar junto, parece. Aproveitamo-nos do presente [e isso é 23 out 17, um salto quântico].
          O que eu quero, nessa história, não importa. Minha busca é cantar bem – e cantar bem é fazer contato [fiquei cismada com isso, vocês ali, fazendo contatos virtuais e nós ali, carne e osso e alma e contato esparso... por isso o ‘Olaria fulminou’...].
           Eu reúno cantantes para fazer contato, aprendi isso tem pouco tempo.
          Confesso, ando usando esse método aleatório para o nosso trabalho, SegundaSabado, estrangeiro, intuído das escutas de Meredith Monk, mas com grandes gomos de Milton Nascimento. Nada brasileiro no modo de pensar o fazer musical, tudo das origens do mundo sonoro da Terra, dos cantos xamânicos. Parece que fiz pacto com a Anarquia, com o fim da Harmonia Tradicional, da Harmonia Funcional, Tonal, Modal, Atonal, os cambau... Que eu não dou valor ao que os irmãos da Música fizeram; que tenho preguiça de estudar música, musicoterapia, e então submeto você a esta salada mista de expressões sonoras [de sentido questionável]. Não é nada disso.
          Para você, SegundaSabado, que ama o Brasil e quer o solo-chão-terra como música, deve ser muito esquisito cantar como cantamos. Se você olhar a história, foi ‘estrangeiro’ quem trouxe o tipo de fazer musical que usamos. Lógico não, recorrer à música ancestral para interpretar, para improvisar, para criar. Eu acredito, muito, que meu espírito não é legitimamente brasileiro; estou passando uma temporada aqui. Às vezes penso que não sou mesmo da Terra, porque não me acerto com gente. Adoro a natureza, os bichos (insetos menos...), gente deveria estar incluída na devoção.  Está sendo bem difícil fazer contato humano e conviver socialmente. Você, SegundaSabado, é uma ponte, um porto, um portal para contato.
          Com a Música, esse processo lento, penoso às vezes, eu junto vozes em fase de carvão para ver florir o diamante. Eu tenho uma cisma com isso, acredito que dá pra trabalhar assim, é como estudar a supersimetria, o universo fluídico congelado, sem cálculos, planilhas. Sinto-me íntegra quando estou com você, SegundaSabado, sinto que é possível fazer experiências, um tanto empíricas, elas estão sendo registradas, há amostras portanto, dá para mensurar, classificar, rebater, refazer, recalcular, chegar a alguma confluência e refutar tudo se for o caso. Dá até para por no ciberespaço do jeito que está. E pagar para ver. E ver esfriar ou crescer, como tanta coisa que a gente encontra no Youtube.
          SegundaSabado foi o período mais longo e estável que vivi, 2008-2018. Fomos chegando à parceria ideal? Penso que quase conseguimos ser totalmente sinceros, responsáveis e respeitosos uns com os outros na fase atual. Apesar dos estranhamentos - somos humanos-cobaias, visitamos ‘algum mar’. Sinto-me provocada a seguir vivendo, ao rascunhar os desenhos vocais com vocês cinco, que de seis já não passamos; lembram-me, tais desenhos vocais, os muitos desenhos de Van Gogh antes dele usar as tintas. Os esboços estão sobrepostos. Quanto a usar as tintas, demandamos vontades similares de completar um ciclo de dez anos; falta um, portanto.
          Nesse 23 out 17, estávamos nós, de kajal na mão, para o novo desenho. Alguém pode conseguir ao menos uma foto de nossa participação, investigando o site do SESC?
          Chico Buarque escutaria nosso som e certamente sorriria, recordando o tempo em que ele era tímido e só subia ao palco com o MPB4. Cruzei, eu, a fronteira do ‘me divertir’, ontem eu ‘aceitei’... fiquei com a sensação de que lidei com a ignorância e precisei me impor para estar em cena... sensação incômoda... Sempre sonho com satisfação coletiva, agradeço a parceria. Que seja ‘infinita enquanto dure’.
          A frase ‘Você vai me trair’ veio? Será que eu, inconscientemente, não quis ouvir?



 ficha técnica:

Camila Moro
Mimi (Maria Lucia Farias)
Liane Guariente

Gilson Hack
André Altafini
Igor Ribeiro

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